segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A armadilha

Na semana passada, Passos Coelho foi explicar-se perante os parlamentares a respeito das acusações de que é alvo em relação ao caso Tecnoforma, esclarecendo (ou tentando, pelo menos) a sua relação com a empresa. Que não recebeu qualquer ordenado, que as despesas tidas foram com deslocações, que as apresentou às empresa que as pagou, que isto, que aquilo. Antes disso umas partes meio gagas, também que isto, que aquilo. No Parlamento parece que se terá embrulhado com a questão da exclusividade e dos subsídios de reintegração (ai, os subsídios, tão bom!) e – como seria de esperar – a oposição (ou, melhor, as oposições) para além de lhe corrigir alguma incorrecção, não ficou contente com as explicações e exigiu mais, nomeadamente o levantamento do sigilo bancário.
 
Bom, tudo isto cheira a déjà vu, a uma remake de filmes anteriores. Assim de repente, recordo-me dos casos Sócrates (e o seu diploma obtido no género da Farinha Amparo, no dizer dos adversários) e Durão Barroso porque a sua licenciatura era coxa por ter umas passagens administrativas no currículo. No segundo caso, o articuleiro que o acusou não fez bem o trabalho de casa e por ignorância ou sandice não teve presente que em 1974, no rescaldo do golpe abriliano, toda a minha gente na Universidade foi corrida a passagens administrativas, com uns aptos escalonados à mistura. Há gente parva, que se há-de fazer? Durão safou-se sem se chamuscar porque a História se encarregou de o justificar. Já Sócrates percorreu uma via dolorosa, com ida à televisão a mostrar diplomas e justificativos de que o seu título académico era legítimo e genuíno. Igual sorte não teve Miguel Relvas que, resolvido o inquérito à sua licenciatura meteórica, não aguentou o embate de ter sido despromovido e resignou ao cargo de mentor governativo. Da minha parte tomei a decisão de não tratar nenhum governo por qualquer título académico. Não me mostraram o diploma e, além disso, quando nasceram, tinham tantos títulos académicos como o Quasimodo do Notre Dame de Paris de Victor Hugo.

Embora diferentes, todos estes casos têm um elo comum, resultante de uma característica deste povo jardineiro do jardim à beira-mar plantado. Refiro-me à má-língua, à inveja, à difamação pela calada, ao prazer mórbido de “chagar” as autoridades. Bem sei que à mulher de César não basta ser honesta – tem de parecê-lo, assumindo aqui que a “mulher de César” está por figuras públicas, nomeadamente as da governação. E talvez por um recalcamento masoquista, os visados caem sempre na armadilha que as línguas viperinas lhes armam. É evidente que quem acusa deve fazê-lo com provas e sempre de cara descoberta e não acobertado covardemente atrás do anonimato pessoal ou do anonimato do “diz-se que se diz”. Também é verdade que uma figura pública, ao ser acusada deve reagir de imediato, quanto mais não seja com um comunicado a informar que em tal e tal tempo prestará os esclarecimentos devidos. E havendo uma acusação, parece-me que a melhor solução é encaminhar o caso para os tribunais ou, neste caso, para a PGR. Ela que investigue, oferecendo-lhe o acusado toda a colaboração necessária. Se vivemos num Estado de direito, parece-me ser o caminho óbvio. Com a vantagem de retirar ao acusado o ónus de se defender em praça pública e abrindo ao acusador o caminho de um processo por difamação, caso a acusação seja infundada. Muito mais num governante com a importância de um PM ou de um PR cuja atenção e forças devem estar centradas nas tarefas de governação e não na de lavandaria. Há ratos que acabam por ser mais espertos que muitos humanos – comem o isco e não se deixam apanhar na ratoeira.


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